Condenação por racismo Siegfried Ellvange

Em 17/09/2003 o Supremo Tribunal Federal (STF) denegou habeas corpus interposto em favor de Ellvange, confirmando sua condenação por crime de racismo e a imprescritibilidade da conduta. O julgamento é de extrema relevância, pois se definiu não somente que antissemitismo é racismo, mas também os limites da liberdade de expressão.

Os fatos.

Ellvange fundou, em Porto Alegre/RS (1985) a editora Revisão, responsável por editar e publicar livros considerados antissemitas e neonazistas, distorcendo fatos históricos e negando o holocausto. Entre as obras títulos como: Holocausto, judeu ou alemão?

No ano seguinte (1986), movimento antirracismo, de direitos humanos, entre outros, alertaram o Ministério Público do RS, para o conteúdo das obras de Ellvange, mas somente em 1991 houve a busca e apreensão de exemplares dos livros publicados pela editora, sendo Ellvange denunciado criminalmente. Absolvido em primeiro grau, em recurso do MP foi condenado pelo TJRS.

Mesmo após a condenação, em 1996 foi flagrado vendendo as obras proibidas em uma feira de livros em Porto Alegre, rendendo-lhe nova denúncia e condenação. A condenação levou sua defesa a impetrar um Habeas Corpus perante o STF buscando a absolvição. Curiosamente, é um instrumento de defesa que define os limites da liberdade de expressão.

A decisão

Ao julgar o habeas corpus, o plenário do STF reconheceu a adesão do Brasil a tratados e acordos internacionais, que repudiam qualquer discriminação racial e discutiu os limites da liberdade de expressão, afirmando se tratar de uma garantia constitucional que não se tem como absoluta, esbarrando nos limites morais e jurídicos, uma vez que o direito à livre expressão “não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam em ilicitude penal”, e ainda que o direito de liberdade de expressão “não consagra o direito a incitação ao racismo, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra” aplicando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, com a prevalência dos direitos humanos. Reconhece o STF a tipicidade da conduta de racismo, por ser Ellvange o dono e editor dos livros de conteúdo antissemita.

A importância da definição da liberdade de expressão

A liberdade de expressão pressupõe a proteção dos indivíduos frente ao estado. Abrange a proteção das opiniões críticas, impopulares, em regra permitindo voz crítica de uma minoria marginalizada, como teoria feminista e de raça. A liberdade de expressão não é um direito constitucional absoluto e é essa a interpretação constitucional.

Quanto aos chamados discursos de ódio há uma divergência sobre estarem ou não abrangidos pela liberdade de expressão. Como discurso de ódio aqui se utiliza o conceito de Sarmento (2009) que os compreende como manifestações com expressões de desprezo ou intolerância por preconceito contra grupos sociais de etnia, gênero, orientação sexual, religião, deficiência física ou mental.

A decisão em comento conclui que a legislação brasileira constitucional e infraconstitucional não contempla como liberdade de expressão a manifestação de pensamentos racistas, sendo evidente que o ódio e intolerância não são contemplados pela democracia.

No julgamento de Ellvanger o STF negou sentido constitucional da liberdade de expressão aos discursos de ódios, das expressões de preconceito e de discriminação de qualquer natureza que visam a inferiorizar, reafirmando que a dignidade humana é um direito fundamental. Uma decisão que precisa ser lembrada.

Isso porque, vinte anos após essa decisão, há inúmeros exemplos, em que a liberdade de expressão é invocada para acobertar discursos de ódio. Em 2002 um apresentado do podcast Flow fez referência a criação de um partido Nazista no Brasil reativando a discussão. É importante lembrar que não é de hoje que o STF relativizou a liberdade de expressão e que o antissemitismo, assim como outros discursos de ódio configuram crime de racismo.

BRASIL, Supremo Tribunal Feral. Habeas Corpus Nº 82.424 – Rio Grande do Sul. Paciente: Siegfried Ellwanger. 17 set. 2003.

SARMENTO, Daniel.  A liberdade de Expressão e o problema do “Hate Speech”. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (Org.). Leituras Complementares de Direito Civil. Salvador: JusPodivm, 2009, páginas 39-95